19 de diciembre de 2018

Ana Martins Marques

El libro de las semejanzas

El modo en que tu nombre dicho muy bajo puede ser
confundido con la palabra jícara
y como calienta de dentro hacia afuera
el modo en que la palma de tu mano se parece a porcelana quebrada
el modo en que al levantarte recuerdas a un gran felino
pero al caminar ya no te pareces a un animal
sino a un vehículo rápido
y de espaldas siempre me recuerdas a un navío partiendo
aunque de frente nunca parezcas un navío llegando
el modo en que dicha por ti la palabra “sí” parece una palabra
que tuviera el mismo sentido en todas las lenguas
el modo en que dicha por ti la palabra “no” parece una palabra
que tú acabaras de inventar
la relación entre las fotografías rasgadas
los juguetes olvidados en la lluvia cartas
que dejamos de enviar productos en liquidación
frases escritas entre paréntesis
papel de regalo las toallas que acabamos de usar y la masa de pan
y, más importante, la relación de todo eso
con el modo en que llamas al taxi por teléfono
la camisa blanca que acabas de quitarte
siempre me recuerda a un libro abierto al sol
tus zapatos dejados en la sala
siempre me parecen ensayar los primeros pasos de danza
de una versión musical para el cine de tu libro preferido
el modo en que en tu apartamento
las cosas siempre parecen estar en casa
y tú siempre pareces estar de visita
y como pides permiso al tocador para llorar
el modo en que nuestras conversaciones me recuerdan
mensajes interceptados menús de restaurantes exóticos
etiquetas de bebidas fuertes documentos comidos en los bordes
por cachorros de perro
el modo en que tus cabellos parecen las líneas de un libro
leído por un niño que aún no sabe leer
o solo dibujos que alguien erradamente tomara por escritura
el modo en que tus sueños parecen los pensamientos
de personas que hayan sobrevivido a un desastre aéreo
parecen los recuerdos de un ex-boxeador enamorado
parecen los proyectos de futuro de niños muy pequeños
parecen los cuentos de hadas preferidos de dictadores sanguinarios
las relaciones entre las guerras íntimas los juegos de armar
los primeros viajes sin los padres los países coloreados de rojo
en el mapamundi personas que siempre olvidan las llaves
las primeras palabras dichas por la mañana
y la disposición para usar la violencia
el modo en que a pesar de todo eso tú no te pareces a nadie
a no ser tal vez a ciertas cosas
similares a nada



Ana Martins Marques. O livro das semelhanças (edisciplinas.usp.br / Poemas selecionados… pdf, p. 15)
Trad. E. Gutiérrez Miranda 2018


                    ∼

O livro das semelhanças

O modo como o seu nome dito muito baixo pode ser confundido com a palavra xícara
e como ele esquenta de dentro para fora
o modo como a palma das suas mãos se parece com porcelana trincada
o modo como ao levantar-se você lembra um grande felino
mas ao caminhar já não se parece com um animal mas com uma máquina rápida
e de costas sempre me lembra um navio partindo
embora de frente nunca pareça um navio chegando
o modo como dita por você a palavra “sim” parece uma palavra
que fizesse o mesmo sentido em todas as línguas
o modo como dita por você a palavra “não” parece uma palavra
que você acabou de inventar
o parentesco entre as fotografias rasgadas os brinquedos esquecidos na chuva cartas
que deixamos de enviar produtos em liquidação frases escritas entre parênteses
papel de presente as toalhas que acabamos de usar e massa de pão
e, mais importante, o parentesco de tudo isso
com o modo como você chama o táxi por telefone
a camisa branca que você acabou de despir sempre me lembra um livro aberto ao sol
seus sapatos deixados na sala sempre me parecem ensaiar os primeiros passos de dança
numa versão musical para o cinema do seu livro preferido
o modo como no seu apartamento as coisas sempre parecem estar em casa
e você sempre parece estar de visita
e como você pede licença à penteadeira para chorar
o modo como as nossas conversas me lembram bilhetes interceptados cardápios de
restaurantes exóticos rótulos de bebidas fortes documentos comidos nas bordas
por filhotes de cão
o modo como os seus cabelos parecem as linhas de um livro lido por uma criança
que ainda não sabe ler
ou apenas desenhos que alguém por equívoco tomasse por escrita
o modo como os seus sonhos parecem os pensamentos de pessoas que sobreviveram
a um desastre de avião
parecem as lembranças de um ex-boxeador apaixonado
parecem os projetos de futuro de crianças muito pequenas
parecem os contos de fadas preferidos de ditadores sanguinários
os parentescos entre as guerras íntimas os jogos de armar as primeiras viagens sem
os pais os países coloridos de vermelho no mapa-múndi pessoas que sempre esquecem
as chaves as primeiras palavras ditas pela manhã e a disposição para usar a violência
o modo como apesar de tudo isso você não se parece com ninguém
a não ser talvez com certas coisas
similares a nada




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