14 de junio de 2016

Carlos Drummond de Andrade

Búsqueda de la poesía

No hagas versos sobre acontecimientos.
No hay creación ni muerte ante la poesía.
Frente a ella la vida es un sol estático,
no calienta ni ilumina.
Las afinidades, los aniversarios,
los incidentes personales no cuentan.
No hagas poesía con el cuerpo,
ese excelente, completo y confortable cuerpo,
tan indefenso en la efusión lírica.

Tu gota de bilis, tu mueca de placer o dolor en la oscuridad
son indiferentes.
Ni me reveles tus sentimientos,
que se benefician del equívoco e intentan el largo viaje.
Lo que pienses y sientas, eso aún no es poesía.

No cantes a tu ciudad, déjala tranquila.
El canto no es el movimiento de las máquinas
ni el secreto de las casas.
No es música oída al pasar,
rumor del mar en las calles junto a la línea de espuma.

El canto no es la naturaleza
ni los hombres en sociedad.
Para él, lluvia y noche, fatiga y esperanza nada significan.
La poesía (no saques poesía de las cosas)
elide sujeto y objeto.

No dramatices, no invoques,
no indagues. No pierdas tiempo en mentir.
No te aborrezcas.
Tu yate de marfil, tu zapato de diamante,
vuestras mazurcas y excesos, vuestros esqueletos de familia
desaparecen en la curva del tiempo; es algo inútil.

No recompongas
tu sepultada y melancólica infancia.
No osciles entre el espejo y la
memoria que se desvanece.
Si se desvaneció, no era poesía.
Si se rompió, cristal no era.

Penetra sigilosamente en el reino de las palabras.
Allí están los poemas que esperan ser escritos.
Están paralizados, mas no hay desesperanza;
hay paz y frescura en la superficie intacta.
Permanecen solos y mudos, en estado de diccionario.
Convive con tus poemas antes de escribirlos.
Ten paciencia, si oscuros; calma, si te provocan.
Espera a que cada uno se realice y consume
con su poder de palabra
y su poder de silencio.
No fuerces al poema a desprenderse del limbo.
No recojas del suelo el poema que se perdió.
No adules al poema. Acéptalo
como él aceptará su forma definitiva y concentrada
en el espacio.

Acércate más y contempla las palabras.
Cada una
tiene mil caras secretas bajo la cara neutra
y te pregunta, sin interés por la respuesta,
pobre o terrible, que puedas darle:
¿Has traído la llave?

Repara:
yermas de melodía y concepto
ellas se han refugiado en la noche, las palabras.
Aún húmedas e impregnadas de sueño
viran en un río difícil y se transforman en desprecio.



Carlos Drummond de Andrade. Procura da poesia (letras.com.br)
Trad. E. Gutiérrez Miranda 2016


                    ∼

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


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