16 de junio de 2021

Ana Luísa Amaral

Entre las dos y las tres


Quiero hablar de lo que no tiene arreglo:
las letras dibujadas y compuestas
en que confundo espacio con papel,
la angustia cadenciosa en el contar,
la súbita alegría de ser yo
penosamente, a las dos de la mañana

Quizá escribir lo que no tiene sitio:
la blanca, dulce y somnolienta senda
donde espaciadas las palabras crecen,
suavizadas por el pausado sueño
que lento recorre las cosas todas
penosamente, a las dos de la mañana

Quizá decir lo que no tiene arreglo:
o sea, yo; o sea, el papel blanco
sombrío ahora por ser ya excesivas
las letras desmedidas y sonoras
tajando el silencio y la noche toda
penosamente, a las dos de la mañana

Y entonces hablaré de lo que queda:
cadenciosa alegría dibujada
en la angustia de decir sin contar,
el papel confundido de impotencia
y sin embargo listas las palabras.
Casi a las tres de la mañana. Penosamente.



Ana Luísa Amaral. Entre as duas e as três (feq.pt, pdf p. 8)
Trad. E. Gutiérrez Miranda 2021


                    ∼

Entre as duas e as três

Queria falar do que não tem concerto:
as letras desenhadas e compostas
com que confundo o espaço do papel,
a angústia compassada no contar
e a súbita alegria de ser eu
penosamente, às duas da manhã


Queria escrever do que não tem lugar:
a branca, doce e sonolenta estrada
onde espaçadas as palavras crescem,
suavizadas pelo lento sono
que devagar percorre as coisas todas
penosamente, às duas da manhã


Queria dizer do que não tem conserto:
ou seja, eu; ou seja, o papel branco
sombrio agora por já ser demais,
as letras excedentes e sonoras
desmembrando o silêncio e a noite toda
penosamente, às duas da manhã


Só então falarei do que ficou:
compassada alegria desenhada
na angústia de dizer sem me contar,
o papel confundido de impotente
e todavia prontas as palavras.
Quase às três da manhã. Penosamente.




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